Uma visão sobre um Graciliano Ramos que não ficou materializado na história, apenas na memória daqueles que o conheceram pessoalmente. É assim que o cineasta Sylvio Back resume o documentário 'O Universo de Graciliano', que vai ser exibido na Cine Fliporto, na Praça do Carmo, em Olinda, no ultimo sábado (16), às 20h. O filme também já foi exibido no Rio de Janeiro, em São Paulo e em Maceió (AL), mas só vai ser lançado oficialmente em 2014.
Entre os entrevistados para o documentário estão Oscar Niemeyer, Lêdo Ivo, além da filha de Graciliano, Luiza Amado, e o advogado e confidente Paulo Mercadante. Uma das curiosidades do processo, explica o cineasta, foi perceber como as pessoas relatavam de forma diferente o mesmo fato. Essa experiência foi levada para o filme, traçando, assim, um perfil diferenciado. “O filme é uma visão imaginária, uma visão sobre a invisibilidade do Graciliano Ramos. Sobre o que não ficou materializado, o que não ficou visível, o que ficou no ar, no pensamento das pessoas. Esse pensamento, modestamente, eu consegui tirar das pessoas, quem era esse Graciliano”, conta Back.
O filme de 84 minutos conta com cerca de 20 entrevistados que buscam desnudar o escritor alagoano. “Foi feita uma imagem do Graciliano ao longo dos anos, desde a morte dele em 1963, feito como se fosse um holograma que por vezes não bate com Graciliano Ramos. [Falam dele como] um homem ranzinza, mau humorado. Ele era tudo isso, mas era também alegre, contador de piadas, gostava de dizer palavrão, bebia para caramba, fumava. E ao mesmo tempo um homem sedutor”, destaca o cineasta em conversa com o G1.
Para mostrar todos os lados desse escritor, Back percorreu os municípios de Buíque (PE), Quebrangulo, Viçosa, Palmeira dos Índios e Maceió (Alagoas), e Rio de Janeiro buscando fragmentos. Em Palmeiras dos Índios, descobriu um Graciliano prefeito, cuja administração pública marcou a cidade. “O historiado Ivan Barros conta essa trajetória. Ele tinha um especial respeito pelo dinheiro público, deixou uma marca. Ele não se permitia corromper, bem diferente do que vemos na política atualmente”, aponta.
A relação de amizade do escritor com o homenageado da Fliporto neste ano, José Lins do Rêgo, também é explorada no filme, em especial através do depoimento de Elizabeth Lins do Rêgo. “Foi o José Lins do Rêgo quem tirou Graciliano da prisão em 1937 e levou para morar na casa dele durante meses. É um depoimento muito bonito de Betinha sobre esse período, como ele a ajudava com as lições de português, como era a convivência com dois escritores em casa”, conta Back.
Admiração
A relação do cineasta com a obra de Graciliano remete à adolescência, quando morava em Paranaguá (SC). A capa vinho do livro 'Memórias do Cárcere', à venda em uma livraria da cidade, chamou-lhe a atenção, mas o preço era acima de suas condições na época. A mãe, uma leitora ávida, acabou comprando e presenteando-o. Dali em diante, Back lia e buscava todos os filmes com alguma relação com a obra.
Mesmo comunista, chegando ao ponto de chorar ao saber da morte de Stálin, Graciliano encantou ao não permitir a ideologia em que acreditava transbordar para as páginas, embora doasse um pouco de si ao escrever. “Você pode ver um pouco de Graciliano em todas as suas obras. Apesar de suas concepções ideológicas, ele nunca deixou isso contaminar a sua literatura. Por isso, a obra dele não tem data, permanece atual. Ele é um homem que não se deixou corromper. Fez uma literatura engajada, mas não no discurso político. É um engajamento moral”, destaca o cineasta.