O sertão vai virar mar?

Anunciadas como a solução para a falta d’água no Nordeste, as obras de transposição do Rio São Francisco vão completar sete anos com um cenário desanimador: atraso, abandono, construções deterioradas e contratos superfaturados

“EU SEI O QUE É SECA”
 (Foto: Ueslei Marcelino/ Reuters)









































Em abril de 2003, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva viajou a Buíque, cidade de 55 mil habitantes a 258 quilômetros da capital pernambucana, para falar sobre o lançamento do programa Fome Zero. Mas um dos assuntos mais abordados durante seu discurso foi outra medida para ajudar a melhorar as condições de vida no sertão nordestino: a transposição do Rio São Francisco. "O projeto existe desde 1847. Se houver transposição neste país será no meu governo, pois eu sei o que é a seca", disse. Nascido a menos de 100 quilômetros dali, Lula estava certo – pelo menos em parte. Após muita discussão sobre os riscos, a viabilidade e a importância do projeto, a construção teve início em junho de 2007 em Cabrobó, também em Pernambuco. Orçada à época em quase R$ 4 bilhões, a obra engloba nove estações de bombeamento, 477 quilômetros de canais, aquedutos e reservatórios que levarão água para flagelados em quatro estados. Algumas das valas serão ligadas por túneis, como o Cuncas 2 (ao lado), em Mauriti, no Ceará.

TERRA RACHADA
A construção teve início de forma modesta, com 50 operários. “Ninguém que tem água em excesso pode negar que haja uma política de levar água para uma região sofrida durante tantos e tantos séculos”, falou o então presidente. O plano era entregar o projeto três anos depois, ao final do segundo mandato de Lula. O tempo mostrou que o entusiasmo do presidente afetou os responsáveis pelo cronograma. Mais de quatro anos após a previsão de final dos trabalhos, apenas 51% das obras estão concluídas. Em alguns trechos, elas foram abandonadas ou seguem lentamente, como na foto da vaca magra ao lado de um canal em Cabrobó. Trechos acabados apresentam fissura, como é o caso de Custódia, no interior pernambucano.
 (Foto: Ueslei Marcelino/ Reuters)
JOGO DE EMPURRA
Vários fatores explicam os problemas na transposição do Rio São Francisco. Há três anos, por exemplo, o ritmo das obras diminuiu porque os contratos de parte das empresas tiveram de ser relicitados. O motivo? Companhias como a construtora Delta foram acusadas de irregularidades. Em outros casos, foram necessários novos acordos para obras complementares, que não estavam previstas no projeto original. A grandiosidade da transposição é outra causa. Nunca antes na história do Brasil houve uma obra de infraestrutura dessa envergadura. Alguns números do projeto: 8,7 mil funcionários trabalham nos eixos norte e leste (veja mapa), que vão desviar 1,4% do volume de água do rio a 290 municípios do Ceará, Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Norte. Os problemas e atrasos custam caro ao erário. O orçamento mais do que dobrou e chegou a R$ 8,2 bilhões.
 (Foto: Revista Galileu)
ATÉ QUANDO?
Em ano de eleições presidenciais, as obras do Rio São Francisco ganharam um novo alento. Na estação de bombeamento de Floresta, em Pernambuco, homens trabalham para tirar o atraso. Apesar dos esforços, ainda não se sabe ao certo quando o projeto será entregue. Os mais otimistas acreditam que isso acontecerá ao final do possível segundo mandato da presidente Dilma Rousseff. Especialistas descartam essa opção. “A obras dos túneis podem levar mais de uma década para ficar prontas”, diz João Abner, professor de engenharia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Enquanto isso, a população local sofre com a pior seca dos últimos 50 anos. Em alguns estados a água já é racionada para uso agrícola — e o cenário só tende a piorar com as mudanças climáticas.
 (Foto: Ueslei Marcelino/ Reuters)
 (Foto: Ueslei Marcelino/ Reuters)
 (Foto: Ueslei Marcelino/ Reuters)

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