A despeito de ser um bandido temido por muitos, Lampião era um homem extremamente jeitoso, dotado de grande capacidade de improvisação: confeccionava suas roupas, fazia os curativos, encanava pernas e braços quebrados, realizava os partos das companheiras dos cangaceiros, entre outros. Superdotado de inteligência, ele era, ao mesmo tempo, guerrilheiro, médico, farmacêutico, dentista, vaqueiro, poeta, estrategista e artesão.
No tocante à Expedita, vale salientar dois pontos importantes: primeiro, o de que não era permitida a presença de crianças no bando. Logo que nasciam, os bebês eram entregues aos parentes não engajados no cangaço, ou deixados com familiares de padres, coronéis, juízes, militares, ou fazendeiros. Segundo: a vida dos cangaceiros era instável, com intensas perseguições, tiroteios e confrontos. Por esses motivos, Lampião e Maria Bonita não podiam criar Expedita. E os fatos, a partir daí, se tornaram, também, uma questão polêmica. Uns disseram que Expedita foi entregue a tio João, irmão de Lampião, que nunca fez parte do cangaço; e, outros, testemunharam que ela foi deixada com o vaqueiro Manuel Severo, na fazenda Jaçoba. Seja lá como tenha sido, Maria Bonita não pôde criar a própria filha: a sua vida já estava intimamente ligada à própria linha do cangaço.
Em uma luta contra a volante pernambucana, na vila de Serrinha, próximo ao município de Garanhuns (PE), a mulher de Lampião era baleada. Como estava perdendo muito sangue, o Capitão Virgulino deu ordem para que a luta fosse encerrada imediatamente, pegou a sua amada nos braços e seguiu rumo ao município de Buíque, onde ela tratou os ferimentos na vila de Guaribas.
No dia 27 de julho de 1938, conforme o costume de anos a fio, o bando acampou na fazenda Angicos, situada no sertão de Sergipe, esconderijo tido por Lampião como o de maior segurança. Era noite, chovia muito e todos dormiam em suas barracas. Na madrugada do dia 28, porém, a volante chegou tão de mansinho que nem os cães pressentiram. Quando alguém deu o alarme, já era tarde demais.
Quando os policiais abriram fogo com metralhadoras portáteis, os cangaceiros não puderam empreender qualquer tentativa viável de defesa. O ataque durou uns vinte minutos, e poucos conseguiram escapar ao cerco e à morte. Lampião fora ferido gravemente e, logo em seguida, o mesmo ocorreu com Maria Bonita.
Ainda assim, ela rastejou até o companheiro (que ainda respirava) e pediu para ele ser poupado. Mas, suas preces foram inúteis. Arrastada pelos cabelos por um dos soldados - José Panta de Godoy – a cangaceira foi degolada viva. Sua cabeça ficou pendurada no pescoço. O próprio Godoy contou, no local da chacina, como procedeu para separar a cabeça de Maria Bonita:
Depois de cortar a cabeça, que até tive que bater no osso, saiu muito sangue, e eu enfiei o dedo dentro do tutano que tinha e barriei tudo, que era de um branco danado.
Feito isso, o corpo foi colocado em posições grotescas, para risos da volante. Das 34 pessoas presentes no bando, 11 foram mortas em Angico. Bastante eufóricos com a vitória, os soldados ainda saquearam e mutilaram os mortos, roubando-lhes todo o dinheiro, ouro, e jóias. Com Maria Bonita morreu, também, a mulher mais famosa da história do cangaço.
Os soldados colocaram as cabeças cortadas, como troféus de vitória, em latas de querosene contendo aguardente e cal. E, para alimentar os urubus, deixaram os corpos mutilados e ensangüentados a céu aberto. Mesmo em adiantado estado de decomposição, as cabeças percorreram uma parte doNordeste do Brasil, sendo exibidas à população. Elas atraiam multidões, onde quer que fossem expostas.
No Instituto de Medicina Legal de Maceió, as cabeças foram medidas, pesadas e examinadas, pois havia a hipótese de que, um indivíduo normal, não se tornava bandido. Em outras palavras, era preciso haver características sui generis, um tipo de tara sertaneja, para que alguém se transformasse em cangaceiro.
Depois de muitos estudos, no entanto, contrariando aquela tese, os pesquisadores concluíram que as cabeças não apresentavam qualquer sinal de degenerescência física, tampouco anomalias ou displasias, e classificaram-nas, simplesmente, como dolicocéfalas. Feito isto, os restos mortais seguiram para o sul do País e, de lá, para Salvador, onde permaneceram seis anos na Faculdade de Odontologia da Universidade Federal da Bahia. Lá, os pesquisadores, não conformados com o laudo anterior, tornaram a medir, pesar, estudar as cabeças. Isto representou, apenas, mais uma das tentativas inúteis para se descobrir uma patologia preexistente. Depois dessa romaria, aqueles trunfos de guerra ficaram expostos, por mais de 30 anos, no Museu Nina Rodrigues, em Salvador.
As famílias dos cangaceiros lutaram junto à Justiça, durante muito tempo, visando proporcionar um enterro digno aos seus parentes. Isto só veio a ocorrer, porém, depois do Projeto de Lei nº 2.867, de 24 de maio de 1965, que teve sua origem nos meios universitários de Brasília (em particular, nas conferências do poeta Euclides Formiga), e que foi reforçado pelas pressões da população. Neste sentido, após longos anos de exposições, de estudos e protestos, no dia 6 de fevereiro de 1969, as cabeças de Maria Bonita e Lampião foram sepultadas no cemitério da Quinta dos Lázaros, em Salvador.
Em se tratando da memória do cangaço, do banditismo, da cultura violenta (indiferença e insensibilidade perante o sangue e a morte), entre outros temas, Maria Bonita tem sido pesquisada por acadêmicos, e destacada através da literatura, do cinema, da fotografia, das artes. Os trovadores e poetas populares nordestinos, ao longo dos anos, compuseram muitos versos (inclusive cantados) utilizando o seu nome. Um deles foi o seguinte:
Acorda, acorda Maria Bonita,
Acorda, vem fazer o café,
Que o dia já vem raiando,
E a polícia já está de pé.
Maria Bonita e Lampião possuem familiares em Aracaju (SE). Expedita, a única filha do casal, casou-se com Manuel Messias Neto, dando quatro netos - Djair, Gleuse, Isa e Cristina – à mítica rainha do cangaço.