O relógio marca meio-dia. O Sol do Sertão pernambucano não dá trégua no mês mais seco da região logo após um farto almoço. Mas não há desconforto, pelo contrário: as sensações não poderiam ser mais positivas. Paz, plenitude e gratidão. Do topo da formação rochosa mais elevada do Santuário, trilha aberta pelo indígena João Ferreira da Silva, 45, há pouco menos de dois anos no Parque Nacional do Catimbau, em Buíque, o nativo se deita sob o céu de nuvens escassas, medita e adormece. Minutos antes, havia explicado que “Catimbau” significa, em tupi, ‘cachimbo velho e pequeno apagado’, ‘lugar de cobras’ e ‘práticas de feitiçaria’.
João é um dos 12 profissionais locais capacitados pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) após a criação do parque, em 2002, para exercer a função de guia turístico. Ele conta que, apesar de trabalhar com pessoas de todo o mundo, o fluxo de visitas à reserva ecológica de 62.300 hectares ainda é bastante limitado. “O Catimbau é um lugar mágico. Gostaria que todos tivessem a oportunidade de conhecer, mas não existe divulgação. A maioria dos pernambucanos nem sabe que o parque existe”, lamenta.
A apenas 289 quilômetros do Recife – ou cerca de três horas de carro – o Vale do Catimbau, como é popularmente chamado, é um paraíso selvagem. A maioria dos turistas visita o local em busca do misticismo incrustado em sua história e da contemplação da natureza, marcada pela grande variedade de formações geológicas e pela rica vegetação da Caatinga.
Durante pouco mais de cinco anos, o psicólogo e professor da prática budista tibetana Barthô Nigro, 51, explorou as belezas naturais do lugar e levou pessoas para conhecer a “magia” tão mencionada quando o assunto é o Vale. “O encantamento não está ligado a uma religião específica. Faz parte de uma procura da pessoa que vive na cidade pela transcendência. Na minha concepção, é a busca pelo enriquecimento do imaginário”, opina. “Nos centros urbanos, a mitologia foi estrangulada por necessidade de sobrevivência. Há a escassez da natureza e, por consequência, de suas lendas”, explica. “É por isso que a pessoa urbana recorre a esses paraísos encantados para que possam abastecer a alma de visões e histórias milenares ligadas à essência humana”, afirma o psicólogo.
O aspecto místico entranhado na própria geografia do local, por si só, já é capaz de promover o encantamento apontado por Barthô Nigro. No Vale do Catimbau, as coloridas montanhas formadas por rochas sedimentares dão forma a um cão deitado de cabeça erguida na Pedra do Cachorro, à cabeça de um elefante no Morro do Elefante, a um templo religioso na Igrejinha, entre tantas outras formações curiosas. O Parque Nacional do Catimbau possui mais de dez trilhas e cerca de 80 grutas, além de cemitérios pré-históricos e pontos de inscrições rupestres datadas de aproximadamente 6 mil anos.
“Eu, nascido e criado aqui, não posso dizer que conheço o Vale por completo. Ainda há muitas áreas inexploradas”, admite João Ferreira. Além de Buíque, o parque abrange os municípios de Ibimirim e Sertânia, também no Sertão, e Tupanatinga, no Agreste. Segundo o guia turístico, a população daquelas outras três cidades não povoou o Catimbau como os buiquenses. “Mas a reserva inteira é linda. Não existe um ponto mais belo que outro”, acrescenta.
“Além da beleza cênica das paisagens”, ressalta Barthô Nigro, “existem várias trilhas e pontos de paradas, hoje, onde havia aldeias indígenas. O legado cultural dos antigos habitantes permanece no parque e algumas lendas ajudam a tornar o Catimbau ainda mais místico. A população local também incorpora as histórias, preservando essa herança”, conta o professor.
João Ferreira reforça a teoria de Nigro. Em seus passeios com os visitantes, o guia costuma narrar as diversas fábulas do Vale. Há, por exemplo, o mito do fogo corredor - o mais popular do Catimbau. Conta-se que, à noite, duas bolas em chamas passeiam pelas montanhas mais altas do parque. “Eu mesmo já vi várias vezes. Diz a lenda que é um feitiço jogado sobre dois amantes, um compadre e uma comadre. Eles foram castigados pela traição e se transformaram nesse fogo. Até hoje, perambulam juntos pelo parque em busca da saída”, conta.
“Eu, particularmente, falo com os mestres caboclos que habitaram o Vale. Converso com eles em meus sonhos. Além disso, já vi pessoas sensíveis entrarem em contato com esses espíritos no momento em que faziam as trilhas. Não tem como explicar. Aqui, existe uma energia sobrenatural”, certifica João Ferreira da Silva.
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Um dos homens mais misteriosos e emblemáticos da região viveu num território dentro do Parque Nacional do Catimbau, na Vila dos Breus, onde está localizada a Fazenda Porto Seguro. Na residência de cinco andares, em que morou por mais de 40 anos, pode-se encontrar o túmulo do autoproclamado profeta – da “linhagem direta de Deus”, Israel Sadabi ou Meu Rei.
Viva, a figura carismática de origem incerta atraiu mais de 30 famílias para morar em sua propriedade. Ele chegou a criar uma moeda própria, o Talento. A foto do rosto ancião estamparia as cédulas que não chegaram a ser implantadas antes da morte. Meu Rei defendia, ainda, que as águas que brotavam das cisternas construídas por ele tinham poder de cura. Pessoas de todo o Nordeste se deslocaram para a fazenda, na época, na esperança de se desfazerem de suas mazelas. Depois de falecer, Sadabi deixou um vazio tão grande na Vila dos Breus, que a maioria dos moradores foi embora. Hoje, restam apenas cinco famílias, que vivem para preservar a história do velho mestre.
Sua presença está viva na pequena praça, onde seu busto foi construído em vida, e em cada cômodo da casa onde viveu e morreu. Na mesa em que costumava fazer anotações psicografadas, seu chapéu ainda descansa, intacto. Tudo limpo e organizado com zelo. Dona Carminha, responsável pelos cuidados do imóvel, se emociona só em falar o nome do homem a quem dedicou e ainda dedica seus dias. “Ele foi muito importante para muitas pessoas”, conta. “Foi e ainda é”, corrige-se imediatamente.
CAMPANHA
Em um de seus sonhos reveladores, o guia João Ferreira foi encarregado de tornar as trilhas ecológicas do Vale do Catimbau acessíveis para portadores de deficiências. Para ele, não faz sentido algum existir um paraíso que não pode ser visitado pelas pessoas que mais saberiam aproveitá-lo. “Se eu, um homem saudável fisicamente, tenho o direito de estar no parque e curar minha alma, por que um cadeirante, por exemplo, não poderia? Ele, na verdade, deveria ter mais direito de vir aqui do que eu”, defende.
“Apesar de tentar, nunca consegui recursos financeiros, então, tiro do meu próprio bolso. É uma missão que me foi dada. Já consegui levar duas portadoras de deficiência para conhecer o Vale”, diz. Para ajudar João, o leitor pode entrar em contato com o guia pelo número: (87) 99994-4495.
Do JC. Online
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